Cada jurema é uma jurema: Continuidade, rupturas e inovações em religiosidades no Brasil
Palabras clave:
jurema, religiosidades, juremahuasca, enteógeno, BrasilResumen
No Brasil, algumas plantas, bebidas e religiosidades são chamadas de jurema. Desde o período colonial, se registra o uso ritual da jurema entre indígenas do Nordeste do Brasil. Além disso, a jurema emerge com novas feições em uma religiosidade chamada catimbó, encadeada a partir daqueles ritos, e a qual foi alcançada pela umbanda em meados do século XX. A umbanda se reatualizou em contato com o catimbó, o qual garantiu um lugar para os juremeiros no seu interior ao ponto de encontrarmos na região uma religiosidade conhecida e praticada simplesmente como jurema. Em tais contextos, os fenômenos místicos são considerados relativos a forças misteriosas e elementos encantados. Contudo, cientes de que a jurema contém grande quantidade do alcaloide DMT, psiconautas no exterior do Brasil usaram esta planta misturada com outra oriunda do Oriente para elaborar uma bebida capaz de produzir significativos efeitos psicoativos. Chamada de juremahuasca, essa bebida passou a ser ritualizada no Brasil, onde ganhou contornos de religiosidades, inclusive institucionalizadas. Este artigo evoca essas correntes religiosas, sinalizando suas continuidades, rupturas e reformulações, mas focando mais enfaticamente na juremahuasca que faz parte religiosidades psiconáuticas enteogênicas próprias ao contexto de um misticismo alternativo no Brasil.
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